O Parque dos Ratos

No final dos anos 70, um psicólogo canadense chamado Bruce Alexander teve uma ideia. Ele resolveu repetir o experimento sobre dependência com drogas em ratos, mas, em vez de trancar as cobaias numa solitária, construiu um parque de diversões para os bichinhos – o Rat Park. Tratava-se de uma área grande, 200 vezes maior do que uma jaula, cheia de brinquedos, túneis, perfumes, cores e, o mais importante, habitada por 16 ratinhos albinos. Ratos brancos, como humanos, são seres sociais – adoram brincar uns com os outros. Eles são muito mais felizes em grupo. Outros 16 ratinhos tiveram sorte pior – foram trancados nas jaulas tradicionais, sem companhia nem distração. Ambos os grupos tinham acesso livre a dois bebedores – um jorrando água e o outro, morfina.

Os ratos engaiolados fizeram o que se esperava deles: drogaram-se até morrer. Mas os do Rat Park não. A maioria deles ignorou a morfina. Podendo escolher entre morfina e água, os ratinhos do parque no geral preferiam água. Mesmo quando os ratos do Rat Park eram forçados a consumir morfina até virarem dependentes, eles tendiam a largar o hábito assim que podiam. O consumo da droga entre eles foi 19 vezes menor do que entre os ratinhos enjaulados.

O quadrinista Stuart Mac-Millen fez uma história em quadrinhos sobre a experiência do Parque dos Ratos, aqui traduzido por Erly Ricci, que será postado em capítulos, diariamente.

Parque dos Ratos 01

Rompendo a passividade do olhar

Enviado por Erly Ricci

Fotos de Erly Welton Ricci

Por Ivan de Almeida, do Fotografia em Palavras – Fotos de Erly Ricci

O escultor Henry Moore atribuía ao ato de desenhar o condão de romper a passividade do olhar, sua acomodação. Os fotógrafos criaram um conceito mais ou menos impreciso e o nomearam “Olhar Fotográfico”. O nome é muito bom, mas a compreensão do que seja nem tanto. Esse olhar fotográfico é normalmente tido pelos fotógrafos como uma espécie de dom ou de talento, mais ou menos desenvolvível com a prática mas aparentemente uma instância distinta dos ensinamentos de técnica operativa da câmera fotográfica e da técnica de composição. Esse olhar fotográfico imaginado seria, para os que pensam assim, algo capaz de superar totalmente a técnica compositiva (vista como uma muleta para quem não tem o olhar fotográfico) e algo apenas instrumentalizado pela técnica operativa, essa um saber inerte, passivo, sem capacidade de criar lógicas visuais mas tão somente servir ao olhar fotográfico.

O bom nome, como veremos abaixo, termina assim sendo um biombo ocultando as questões verdadeiras, quais sejam o relacionamento das instâncias técnicas com o ato fotográfico e, principalmente, a educação do fotógrafo para superar a preguiça do olhar. É como se o tal Olhar Fotográfico fosse inato ou algo da personalidade e destacado da prática da fotografia, algo pessoal que, de repente, havendo uma câmera e uma técnica, aflorasse, mas sempre estando latente e pronto antes mesmo da experiência fotográfica. É assim, aliás o pensamento majoritário sobre as artes, algo da esfera do dom e não da técnica ou do trabalho. Algo que é inspiração.

Contudo, assim como aprendemos a desenhar treinando em nós uma maneira de analisar a cena e traduzi-la em uma convenção bidimensional de representação, e essa análise é muito bem definida em seus procedimentos consistindo em medir, comparar, avaliar tamanhos relativos e inclinações, e sobretudo, evitar que o olhar preguiçoso empregado na vida normal contamine o desenho, aprendemos também o Olhar Fotográfico fotografando e treinando como analisar a cena em função da representação desejada. Na verdade, adquirimos o Olhar fotográfico quando aprendemos a olhar para as coisas como uma câmera fotográfica; analisando o DOF, analisando um mundo contido em um retângulo definido, analisando a luz e a reação da superfície sensível a ela. Nosso pensamento produz um prognóstico da captura.

O olhar fotográfico é inseparável dos atos analíticos que empregamos para definir a fotografia. Ele não tem outra natureza a não ser a antevisão dos atos fotográficos a partir de uma compreensão do aparelho.

A relação entre Olhar Fotográfico e técnica fotográfica ou técnica de composição é uma relação como a cara e a coroa de uma moeda. Não é possível fazer uma moeda só com um lado. Não existe o Olhar fotográfico sem a introjeção da experiência fotográfica e sem o ato de análise fotográfica. É como um dado. Podemos olhar o dado de seis lados diferentes, mas termos somente o dado como coisa completa de seis lados do mesmo objeto. Experiência fotográfica (técnica) e Olhar fotográfico são a mesma coisa, somente que cada uma dessas expressões simboliza uma categoria analítica. Mas de fato o tal olhar acontece como uma conjugação de escolhas técnicas, e é adquirido pela experiência de fazer escolhas técnicas até o ponto em que sem uma câmera na mão podemos saber como uma câmera, com uma determinada lente, capturaria um assunto.

Diversas estruturas formais da fotografia são estranhas à vista humana desarmada; desfoques, silhuetas, DOF curto, perspectiva rectilinear, nada isso é nosso. Tudo isso é aprendido pelo uso da máquina ou pela contemplação do universo de imagens fotográficas circulantes no mundo. Aprendemos a fotografar vendo fotografias e entendendo sua forma de fazer.

Consta que o maior de todos, o Henry Cartier-Bresson, costumava olhar suas provas de cabeça para baixo para não ser perturbado pela coisa retratada ao analisar a composição. Olhando de ponta-cabeça ele via menos a coisa –o referente- e mais o jogo visual de linhas, massas claras e escuras, etc. É muito interessante como isso guarda semelhança com o desenho “com o lado direito do cérebro”. Separa a representação da análise formal tem sido, para todas as gerações de artistas visuais, o grande desafio. A fotografia é feita de um objeto objeto, mas constitui uma coisa própria, regida por leis próprias, e olhar fotográfico é análise formal, é tornar consciente a percepção visual, e aplicar essa consciência ao enquadrar o mundo no retângulo.

Regata de canoa à vela em Antonina-PR - Erly Ricci

Ilha do Mel - Paranaguá-PR - Erly Ricci

Sinapses da natureza - Erly Ricci

Antes da chuva - Erly Ricci

Fim de tarde no Guartelá - PR - Erly Ricci

Meninas na janela - Erly Ricci

Um porto - Erly Ricci

A revisão do mundo

montanhas

do blog Além das Montanhas Coloridas

O fictício vilarejo de Isen, do romance “Alem das Montanhas Coloridas“, de Silzi Mossato, é um mundo perfeito e encantador:

Isen era uma cidadezinha singela que ficava espremida entre o rio e as montanhas. Suas ruas, calçadas com pedras vermelhas, ocre, grafite e cinza, exibiam desenhos cuidadosamente organizados. Três delas seguiam as águas que correndo em leito de pedras, circundavam o aglomerado de casas. As demais, que não passavam de meia dúzia de transversais, iam do rio as montanhas e das montanhas ao rio. Apenas uma era ligada à ponte de madeira bruta e dava passagem para as trilhas que se espalhavam pelo campo. Todas, no entanto, convergiam para a trilha maior, que depois de se arrastar pelos limites do lugarejo, subia a montanha até a única pedra lilás da região.

Mas para o jovem Yan, mesmo o perfeito precisa de uma revisão, que passa pela necessidade de experimentar e experienciar novos horizontes, novos fazeres, e perspectivas e devolver tudo ao mundo. Tradicionalmente, Isen permitia aos seus habitantes a chance única de mudar as leis:

Yan festejava cada aniversário, mas em segredo aguardava aquele que lhe daria, finalmente, o direito de intervir nas leis de Isen. Era assim que acontecia: a cada habitante que completava dezesseis anos, era dado o direito de, no dia de seu aniversário, pedir uma única alteração nas leis do lugar. Cabia ao aniversariante inventar um ritual solitário e durante o mesmo, rogar para que seu desejo fosse concretizado.

O livro “Alem das Montanhas Coloridas” está disponível na internet: nas versões e-book e impresso. O leitor pode ainda baixar o primeiro capítulo gratuitamente para aprender a gostar. Para este Natal o livro está em promoção. Confira nos seguintes endereços:

http://alemdasmontanhascoloridas.com.br/

https://clubedeautores.com.br/books/search?utf8=%E2%9C%93&where=books&what=Silzi+Mossato&sort=&topic_id=

Além das Montanhas Coloridas

Doroteia, uma farsa irresponsável

DoroteiaA obra teatral de Nelson Rodrigues exibe o olhar irônico e satírico deste dramaturgo genial sobre um país e uma sociedade em transformação vertiginosa. Nas 17 peças que escreveu ao longo de sua carreira, ele inaugurou e consolidou o modernismo no teatro brasileiro. Em Dorotéia, uma farsa irresponsável em três atos, Nelson coloca diversos mitos nada prodigiosos: o de sexo envolto na idéia de pecado; o de beleza ligado a maldição; a doença como purificadora da alma; a feiúra como espantalho do demônio; a condenação do filho rebelde a retornar ao útero materno; a recusa do próprio corpo conduzindo à rigidez da morte; o artifício como antônimo de vida. Nelson recorreu a personagens arquetípicas, avessas às oscilações psicológicas, e apelou para simbolizações de admirável poder sintético.

Dorotéia, ex-prostituta que largou a profissão depois da morte do filho, vai morar na casa de suas primas, três viúvas puritanas e feias que não conseguem enxergar os homens e não dormem para não sonhar. Ao contrário das mulheres da família, Dorotéia é bonita, exuberante e não tem aversão aos homens. Inicialmente, as três viúvas, no entanto, a repudiam por causa de seu passado e por julgarem que sua beleza atrai o pecado. Para aceitá-la, elas lhe impõem uma condição – precisa ficar feia. Dorotéia, que estreou em 1950, é uma das míticas peças de Nelson Rodrigues. Nela os homens estão ausentes: eles só aparecem na fala das personagens femininas.

A montagem da Santa Produção que estreou no último dia 2 de agosto e vai até o dia 25 na Cia dos Palhaços, com direção de Mariana Zanette, muito além da tragicomédia farsesca rodriguiana, acrescentou mais humor negro, com mais ousadia do que poderia sugerir a própria falta de pudor do texto. Com o olhar arguto e a concepção criativa de Mariana Zanette,  mais a fantástica cenografia de Aorélio Domingues e o trabalho dos atores, a qualidade do espetáculo foi elevada ao incomparável.

Mariana avisa, no programa da peça, que não obedeceu às rubricas de Nelson Rodrigues. E, a começar pelo cenário, dois armários redondos, gigantes, giratórios com detalhes que servem à projeção de imagens, como porta de entrada, com trapézios e até estantes, o espetáculo mistura cinema, circo e teatro, fundindo várias linguagens para contar uma história de terror familiar.

Mariana, além do surrealismo inscrito no texto de Nelson, amplia com linguagens de hoje e de ontem, acrescentando o conceito de horror cinematográfico engendrado na Cia Vigor Mortis, da qual Mariana Zanette é co-fundadora (N.A. A companhia Vigor Mortis foi criada em 1997, em Curitiba, Paraná, pelo diretor teatral Paulo Biscaia Filho, dois anos depois de ele defender sua tese de mestrado sobre Grand Guignol na Royal Holloway University of London. O Grand Guignol é também o foco principal da companhia, que adota um gênero subestimado que usa a violência e o naturalismo explícitos como meios narrativos).

O texto é forte, um dos melhores e mais ousados de Nelson Rodrigues, e Mariana deu o seu toque à altura,  a começar do cenário, uma casa de chão frio, sem leito,  que é bem o símbolo da morte, mas com dois enormes armários vivos, com como uma dicotomia que faltava para dar maior robustez à peça.

Cena da peça Dorotéia, uma farsa irresponsável, com Mariana Zanette e Ludmila Nascarella

Cena da peça Dorotéia, uma farsa irresponsável, com Mariana Zanette e Ludmila Nascarella

O espetáculo conta com um elenco premiadíssimo; Ludmila Nascarella, Mariana Zanette, Marvhem Hd, Thadeu Perone, o acrobata John Salgueiro e a musicista Marcela Zanette que também assina a direção musical. A direção é de Mariana Zanette, cenografia e cenotecnia Aorelio Domingues e iluminação de Wagner Corrêa.
Serviço:
Dorotéia, uma farsa irresponsável
Local: Teatro Cia dos Palhaços – Rua Amintas de Barros, 307
Datas: de 02 a 25 de agosto de terça a domingo as 20h00
Ingressos: 14,00 e 10,00 com bônus
Classificação: 16 anos

Produção: Santa Produção!

Uma família de artistas

Fandango em Curitiba 03 O fandango paranaense continua vivo, não por graça e empenho dos folcloristas acadêmicos, mas pelo dinâmico esforço dos próprios caiçaras, através dos velhos mestres e seus descendentes, como a Família Pereira, de Guaraqueçaba, e jovens caiçaras como José Muniz, também de Guaraqueçaba, e Aorélio Domingues, da Ilha dos Valadares, em Paranaguá. Desses, Aorélio é o mais proeminente, porque conseguiu tirar do fandango e da cultura caiçara o limbo de preconceito com que sempre foi tratado para alçá-lo a um lugar de destaque e de reconhecido valor cultural.

O trabalho desenvolvido por Aorelio Domingues, na Casa Mandicuera e junto às comunidades caiçaras do litoral paranaense foi reconhecido como um dos mais importantes da cultura popular brasileira. Aorélio foi um dos que lutaram bravamente para que o Fandango fosse tombado como Patrimônio Imaterial do Brasil e agora recebe o título de Salvaguardador de Culturas Tradicionais, em âmbito internacional. Foi, ainda, convidado para participar do encontro de Violas de arame em Portugal onde tocará  juntamente com grandes músicos violeiros do Brasil e de Portugal, que acontece de 22 de abril a 1º de maio.

 No meio de tudo isso, ainda participa da Folia do Divino Espírito Santo, que vai levar as bandeiras para as comunidades litorâneas a partir do dia 5 de abril e ainda volta de Portugal para encerrar a Festa do Divino, em Paranaguá.

Mariana e as GêmeasMas Aorélio não está só. Tem o apoio integral de sua linda família (a mãe Dona Aliete, a companheira de arte e de vida, a premiadíssima atriz a artista visual Mariana Zanete, as filhas Luma e Malu (na foto acima, com Mariana), o incansável artesão Poro de Jesus, Mestre Zeca Martins, que sempre o acompanha tocando rabeca e ensinando fandango aos jovens na Casa Mandicuera, os meninos dançarinos, Tamise Fernandes Alves, Lenon Rodrigo, Elyson Domingues e Paulo Henrique, os irmãos violeiros Miguel (Mamangava) e Darci Martins (entre outros e outras que não cito e peço perdão pela falha da memória), mas que formam uma grande e talentosa família a preservar e enriquecer a cultura caiçara do Paraná.

 

Blog com novo visual

ferlinghetti-0136Estou fazendo uma reformulação geral no blog e devo, de agora em diante, postar somente meus trabalhos poéticos, fotográficos, reportagens culturais e projetos dos quais participo. Então, a postagem de hoje é a tradução de um poema de Lawrence Ferlinghetti feito para o Dia da Poesia:

Para o Oráculo em Delphos

Lawrence Ferlinghetti

grande oráculo, por que está você me encarando?

eu o confundo, lhe causo desespero?

eu, americus, o americano,

forjado da escuridão em minha mãe há muito tempo,

da escuridão da europa antiga–

por que está você me encarando agora

no crepúsculo de nossa civilização–

por que está você me encarando

como se eu fosse a própria américa

o império novo

mais vasto do que qualquer um em dias antigos

com suas rodovias eletrônicas

espalhando sua monocultura

ao redor do mundo

o inglês é o latin de nossos dias–

grande oráculo, que dorme pelos séculos,

desperte agora afinal

e nos conta como nos salvar de nós mesmos

e como sobreviver com as nossas próprias regras

que faz uma plutocracia de nossa democracia

no grande divida

entre o rico e o pobre

como walt whitman ouviu a américa cantando

ó sibila, por eras silenciosa,

você dos sonhos alados,

fale de seu templo de luz

como as constelações sérias

com nomes gregos

ainda olhando sobre nós

como um farol move seu megafone

acima do mar

fale e brilhe em nós

o mar-luz da grécia

a luz de diamante da grécia

sibila há muito observando, sempre escondida,

saia afinal de sua caverna

e fale conosco na voz dos poetas

a voz na quarta pessoa do singular

a voz do futuro inescrutável

a voz das pessoas misturadas

com uma risada macia selvagem–

e nos dá sonhos novos para sonhar,

nos dê mitos novos para viver!

____________________________________________

To the Oracle at Delphi

by Lawrence Ferlinghetti

Great Oracle, why are you staring at me,

do I baffle you, do I make you despair?

I, Americus, the American,

wrought from the dark in my mother long ago,

from the dark of ancient Europa–

Why are you staring at me now

in the dusk of our civilization–

Why are you staring at me

as if I were America itself

the new Empire

vaster than any in ancient days

with its electronic highways

carrying its corporate monoculture

around the world

And English the Latin of our days–

Great Oracle, sleeping through the centuries,

Awaken now at last

And tell us how to save us from ourselves

and how to survive our own rulers

who would make a plutocracy of our democracy

in the Great Divide

between the rich and the poor

in whom Walt Whitman heard America singing

O long-silent Sybil,

you of the winged dreams,

Speak out from your temple of light

as the serious constellations

with Greek names

still stare down on us

as a lighthouse moves its megaphone

over the sea

Speak out and shine upon us

the sea-light of Greece

the diamond light of Greece

Far-seeing Sybil, forever hidden,

Come out of your cave at last

And speak to us in the poet’s voice

the voice of the fourth person singular

the voice of the inscrutable future

the voice of the people mixed

with a wild soft laughter–

And give us new dreams to dream,

Give us new myths to live by!

 

Poema lido em Delphos, Grécia, no dia 21 de março de 2001 no Dia Mundial da Poesia  da UNESCO

pra roer a roupa da cultura

oratoCuritiba ganha uma nova revista mensal de cultura, pra marcar a arte genuinamente curitibana  e ajudar a roer as tribos de Geena que insistem em expor sua mediocridade acima da criatividade. O Rato quer fazer saber que Curitiba não é só Paulo Leminsky ou Dalto Trevisan, mas também Cláudio Kambé, Tiziu, Confraria da Costa, Namorada Belga, Murillo da Rós e há ainda muito mais que vampiros e polaquinhos tomando sangue de boi e outros drinks gelados.

Traz já em sua primeira ediçção uma “batata quente” – a incendiária, explosiva e crítica entrevista com Roberto Amorim, o Beto Batata, um dos mais conhecidos empresários da gastronomia curitibana que, além de excelente chef de cozinha, é um grande incentivador da arte, promovendo todos os anos uma jornada de 24 horas de choro,  junto com o violonista João Egashira, por ocasião do aniversário de Pixinguinha, e outros eventos igualmente importantes.

Traz também “a roupa roída do rato” , destacando uma pergunta de Renato Oliveira, criador do projeto Zé da Venda, que comercializa camisetas com estampas da cultura brasileira: “Por que não vestimos a nossa cultura?Traz uma entrevista com o compositor e cantor carioca Cícero Lins, aquele das “Canções de Apartamento”, ex vocalista da banda Alice, que recentemente fez um show no teatro Paiol, e uma “não-entrevista com um vampiro”. Recheia suas páginas com  obras do genial artista Cláudio Kambé, que, inconformado com  a miséria da mídia, procurou a revista para propor uma campanha inusitada: “Não voto obrigado”. Além dos artistas locais, coloca Siba, Cartola (em uma entrevista do além), sugestões de CDs, filmes e, ainda, uma entrevista com Tiziu, o violonista que revigora as 7 cordas no samba, no choro e em outros estilos.Oroto01

Como disse Beto Batata, “minha esperança é que (….) a revista venha fazer alguma coisa que influencie para o bem, que cutuque, que mexa com os brios das pessoas, porque estamos estagnados, num estado de conformação”, como diria Noam Chomsky.

A importância da Lei da Cultura Viva

Depois do Vale CULTURA é a vez da lei CULTURA VIVA!

Célio Turino

Garibaldis e Sacis

A pauta da Cultura no Congresso Nacional tem avançado cada vez mais. Primeiro foi o Sistema Nacional de Cultura, aprovado rapidamente no Senado como um gesto de apoio e reconhecimento à nova ministra Marta Suplicy, que assumiria no dia seguinte; depois o VALE CULTURA, aprovado na Câmara dos Deputados e agora, para o próximo 28 de novembro, a lei CULTURA VIVA entra na pauta da Comissão de Finanças e Tributação, sob a relatoria do deputado Osmar Junior (PCdoB/Piauí).

A lei CULTURA VIVA, de autoria da deputada Jandira Feghali (PCdoB/RJ), já foi aprovada por unanimidade na comissão de educação e cultura da Câmara. Para quem não está familiarizado com os trâmites legislativos, ainda há um longo caminho (após a aprovação na comissão de finanças e tributação ela irá à comissão de constituição e justiça, em seguida ao senado e retorno para aprovação final pelos deputados), mas este passo é estratégico, sobretudo pelo conteúdo que irá incorporar à lei, criando um novo e simplificado marco no relacionamento entre governo e entidades comunitárias.

Como principal contribuição nesta etapa, a lei vai criar o Cadastro Nacional de Pontos de Cultura (a exemplo do currículo Lattes, do CNPQ, ou de cadastro de entidades assistenciais), simplificando processos de contrato entre entidades culturais e governo, além de abrir caminho para repasse de recursos e prestação de contas mais adequados à dinâmica destas entidades e comunidades. No lugar de convênios burocráticos, contratos e prestação de contas por resultados. Pode parecer pouco, mas não é.

Em meu livro, PONTO DE CULTURA – o Brasil de baixo para cima, já apontava sobre a necessidade desta mudança de paradigmas nos contratos entre Estado e Sociedade: “A tradição da burocracia brasileira é formalista. Muito controle nos meandros e nas insignificâncias e pouca atenção nos resultados. Para que ganhe maior eficiência é necessário mudar o foco do acompanhamento por procedimentos para o acompanhamento por resultados. Ao invés de convênios com suas exigências intermináveis, contratos e prêmios. Em paralelo, outros mecanismos de agilização, como transferência direta para entes federados, “fundo a fundo” (que será possível quando da implantação do Sistema Nacional de Cultura) e premiação por desempenho, com o compromisso de serem reaplicados na iniciativa”. (pg. 168)

Essa aparente pequena mudança será a consagração de uma nova forma de relacionamento entre Estado e Sociedade, via entidades comunitárias, inaugurada com os Pontos de Cultura. Até então o modelo tinha e tem sido o de grandes convênios com grandes ONGs repassadoras de serviços (seja em serviços de saúde, programas de esporte comunitário, educação, reforma agrária ou quaisquer outras áreas), que mais funcionavam e funcionam como prestadoras de serviços. O caminho adotado desde o início dos Pontos de Cultura foi no sentido inverso, estabelecendo uma relação direta com entidades comunitárias de pequeno porte (a maioria firmando convênios pela primeira vez), com a transferência de pequenos valores (R$ 60 mil/ano, o que representa R$ 5 mil/mês). Até 2009, em relação direta do Ministério da Cultura com as entidades, chegamos a 800 convênios e via redes com governos estaduais e municipais, a mais 2.500 entidades culturais, beneficiando mais de 8 milhões de pessoas em 1.100 municípios do país (dados do IPEA). Lembro-me do primeiro convenio de Ponto de Cultura que assinei, em novembro de 2004, com uma associação de jovens no município de Arcoverde, no agreste pernambucano. Assim chegamos a grupos de Hip Hop, Cultura Tradicional, favelas, coletivos de teatro ou dança, bibliotecas comunitárias, aldeias indígenas… Há um convênio assinado diretamente com o cacique Aritana, dos Yawalapíti, no Parque Nacional do Xingu e até trato disso em outro capítulo de meu livro:

“Tem memória os índios do Brasil e eles sabem o que acontece quando transferem para outros o destino de seus povos. Mesmo que num primeiro momento o preenchimento de planilhas e documentações pareça difícil para um índio que mora no Xingu, melhor falarem por si mesmos, sem intermediação; a ajuda externa, quando honesta e desinteressada, é bem vinda, mas sempre a última palavra é deles. O que eles precisam fazer, fazem por si mesmos e com isso conquistam autonomia.” (pg. 28)

Todavia, não foi uma opção fácil. O convenio com o IPEAX (Instituto de Pesquisa Etno Ambiental do Xingu), presidido pelo cacique Aritana, com sede na aldeia Yawalapíti, no Parque Nacional do Xingu e sub-sede no município de Canarana, MT, a dois dias de barco da aldeia, levou um ano e meio para ser assinado. Tantos foram os conselhos que recebi para fazer o convênio com uma ONG mais estruturada, que assim repassaria o recurso para eles. Mas Aritana não quis, nem eu.

Quebrar a intermediação e estabelecer uma relação direta entre Estado e Sociedade foi uma decisão em três níveis:

a)     Filosófica/ideológica – ao fortalecer e empoderar grupos culturais historicamente alijados, abrindo caminho para um Estado de novo tipo, ao mesmo tempo leve e ampliado e moldado à feição de seu povo;

b)     Política – ao exercitar novos padrões de relacionamento entre aparato burocrático de governo, colocando um degrau a mais nos processos de orçamento participativo, e em escala nacional, em que as pessoas são chamadas a dizer não somente “o que querem” (ou necessitam), mas “como querem”, e assim recebem meios para essa execução direta;

c)     Técnica e de gestão – ao acumular um conjunto de êxitos na implantação de um programa de governo, permitindo que o recurso, efetivamente, chegasse à ponta, multiplicando em muito a capacidade de realização de suas ações.

Essa decisão foi muito criticada à época (e até hoje, suponho), pois seria mais fácil concentrar os Pontos de Cultura em poucos mega-convênios, com poucas mega-entidades. Mas se assim fizéssemos o que estaríamos mudando na relação entre Estado e Sociedade? Poderíamos estar oferecendo um serviço mais ágil, talvez, mas mesmo quanto a isto tenho dúvidas, até em relação à prestação de contas e possibilidades de desvios, afinal, quanto maior o montante, maior a tentação. E, para além dos avanços de caráter filosófico/teórico e político, houve avanços em termos de gestão administrativa. No início, a única alternativa apresentada pela gestão interna e departamento jurídico do ministério foi o mecanismo de convênios, era fazer assim ou não fazer. Fizemos. Mas logo no ano seguinte tomamos a medida de alterar a prestação de contas de semestral para anual, reduzindo os processos burocráticos em 50%. A partir de 2007, com o Mais Cultura, houve a descentralização dos convênios, via estados e municípios, agilizando ainda mais os processos de acompanhamento administrativo, além de colocar-los mais próximos aos Pontos de Cultura. Em paralelo também foi equacionado outro problema bastante relevante: o impedimento da utilização de despesas administrativas, mesmo quando contrapartida das entidades, na prestação de contas do convênio; essa era uma decisão que dependia do Ministério do Planejamento, através de Instrução Normativa (IN) e com a mudança foi possível estender a decisão para aplicação retroativa a todos os convênios dos Pontos de Cultura, permitindo que 15% de despesas totais do convênio pudessem ser utilizadas na manutenção e despesas administrativas dos Pontos de Cultura. E, para além destas medidas, houve a aplicação de Prêmios, via ações do programa (Pontinhos de Cultura, Economia Viva, Griô, Interações Estéticas, Escola Viva, Cultura e Saúde, entre outras), dispensando prestação de contas burocráticas e liberando as entidades para uma ação direta em sua atividade fim, com excelentes resultados. Ao final de 2009, após um ano e meio de negociação entre o governo do estado de São Paulo e Ministério da Cultura, também chegamos a um novo formato para a rede de Pontos de Cultura, agora via prêmio. Essa medida, sem dúvida, teria um grande efeito na descomplicação burocrática do programa, todavia, com a mudança de governo, não foi estendida como modelo às demais redes (via aplicação retroativa, como no caso da alteração da Instrução Normativa sobre convênios, admitindo despesas administrativas), ou mesmo a eventuais novas redes.

Por isso a aprovação da lei Cultura Viva torna-se ainda mais necessária. Assim, será possível garantir uma norma clara e precisa.  A lei Cultura Viva representará um marco no caminho do Estado-Rede, tal qual propõe Manuel Castells, e do Estado Ampliado e Educador, segundo pensamento de Antonio Gramsci.  Apontei isso em meu livro, ao propor a combinação de princípios administrativos como: “…flexibilidade; transparência administrativa; descentralização compartilhada de gestão; coordenação de regras democraticamente estabelecidas; participação do cidadão, sobretudo os excluídos; modernização tecnológica; valorização dos servidores e retroalimentação da gestão com mecanismos de avaliação que permitam a aprendizagem e correção de erros” (pg.137).  Este é o sentido da lei e talvez sua contribuição principal, para além, até mesmo, da garantia do programa Cultura Viva. Claro que a garantia do programa é fundamental, mas a contribuição da lei Cultura Viva pode ir além, servindo de paradigma para outras formas de relacionamento e controle social entre Estado e entidades da sociedade, as ONGs. A respeito das ONGs, gostaria de abrir um parêntesis para uma observação:  o caminho da pulverização em pequenos contratos, tal como praticado com os Pontos de Cultura demonstra-se muito mais eficiente e refratário a desvios que o da concentração.

Foi o que fizemos. E será o que faremos ainda mais com a aprovação da lei Cultura Viva. Empoderando gente criativa e generosa que há tanto tempo faz tanta coisa boa e bela por sua gente, e sem receber o menor reconhecimento e apoio governamental. Com o Ponto de Cultura os anônimos ganharam rosto e protagonismo. E vão além!

Este é o efeito da lei CULTURA VIVA. Mais que a consolidação de um programa, ela representa uma nova forma de os governos se relacionarem com a sociedade. Uma sociedade que há muito tempo já faz, seja em cultura ou outros campos da vida em comunidade, e que agora quer ser reconhecida em seu protagonismo e em suas formas de autogoverno.

Por isso agradeço, por isso parabenizo e por isso peço apoio à lei CULTURA VIVA e ao relatório ora em votação.

DVD Arte Nômade de Murillo Da Rós disputa Prêmio da Música Popular Brasileira 2013

O DVD Arte Nômade do violonista e compositor curitibano Murillo Da Rós, com Glauco Solter e Luciano Madalozzo, está entre os pré-selecionados para o Prêmio da Música Brasileira 2013.

Único DVD independente entre os escolhidos e praticamente desconhecido da imprensa nacional, Murillo da Rós disputa com nomes consagrados  da MPB como Ana Carolina, Arnaldo Antunes, Erasmo Carlos, Nação Zumbi, Sorriso Maroto, Vitor e Leo, Zeca Pagodinho, Zeze Di Camargo e Luciano, Adriana Calcanhoto, João Bosco, Jota Quest, Mauro Senise, Roberto Carlos, Ivete Sangalo, Gilberto Gil e Caetano Veloso. Mas tem mais um detalhe: é um DVD de música instrumental.

Murillo foi selecionado para representar o Brasil no site Ourstage.com que seleciona 80 canções ao redor do mundo (Around The World In 80 Songs) com a música “Málaga” e para quem foi dedicado um artigo extenso e elogioso: “Talvez uma das maiores canções de Murillo seja “Málaga”, uma canção que exemplifica o seu domínio da guitarra, bem como suas habilidades incríveis como compositor. “Málaga” oferece tudo o que constitui a música de Murillo: uma experiência inesquecível, onde nunca deixa de surpreender a música instrumental, e que é atemporal e universal” (Perhaps one of Murillo’s greatest songs is “Malaga”, a song that exemplifies his mastery of the guitar as well as his amazing skills as a composer. “Malaga” offers everything that constitutes Murillo’s music:  “an unforgettable experience where instrumental music never stops surprising” and that is timeless and universal).

Violonista virtuose que mistura o flamenco com a MPB, Murillo tem uma carreira sólida, é super conhecido no Paraná, já tocou com Badi Assad, Gilson Peranzzetta, no Brasil, com  Jorge Pardo, Giuliano Pereira e Flavio Rodrigues, na Espanha, e excursionou por S. Petersburg (Russia) e Roma (Itália), além de ter tocado em várias cidades brasileiras.

A mistura rítmica que Murillo enxerta nas suas composições são como as brincadeiras lépidas de outro gigante do violão: Raphael Rabello. Apesar da forte influência de Paco de Lucia e do jazz, a sua brasilidade não esconde o samba que, lá no fundo, pinça de gingado seus rápidos acordes, sua ágil mão direita, sua limpeza de primoroso concertista erudito.

Tom Junior e o bom gosto “eternamente”

Tenho visto muitos trabalhos bons em música. Uma grande leva de compositores novos – de uma novíssima geração que se aproxima em muito do bom gosto das gerações mais férteis da música brasileira – parece extrair de um campo de ressonância gravado no inconsciente coletivo, o melhor de nós mesmos.

Existe um consenso de que o maior paradigma (se é que se pode dizer assim) da música brasileira de qualidade é Tom Jobim e Chico Buarque de Holanda. Mas o mercado fonográfico não está nem aí para esta qualidade paradigmática. O que ele busca (os mercadores) foge 100% da nossa autenticidade cultural, com artistas amestrados e envelopados, abundantemente e, em igual proporção ao mercado, pirateados e copiados.

Tom Junior (e muitos outros compositores que conheço pessoalmente, a maioria dos quais já postados aqui) parece ser a diferença no baralho – um ás de espadas vermelho – ou seja, não pode ser domado pelo sucesso que se alimenta dos modismos de ocasião, mas antes, pela arte em todas as suas cores.

Tom tinha me mostrado a música do clip abaixo antes de produzir o vídeo. Gostei, sobretudo, do arranjo, mas também da leveza poética da melodia e da letra. Inspiradíssima, “Eternamente” é uma dessas canções que penetram pelos poros e chega para a carícia da alma. Música gravada de forma independente, com poucos recursos e clip idem, em menos de 24 horas e divulgada nas redes sociais pelo próprio artista, “Eternamente” marcou quase 2 mil visualizações no YouTube, contra quase o mesmo tanto da música anterior, “Desse Mar” em seis meses. É muito mais do que uma grande produção de mídia pode fazer com toda a sua manipulação e agendamento, dadas as devidas proporções.

Presumo que deva ser por conta do “paradigma” sobre o qual me referi no segundo parágrafo – a arte quenos toca profunda e definitivamente – cujo padrão de referência dificilmente pode ser modificado sem uma grande ruptura, apesar da onipresença da mídia como eficiente modificadora da preferência popular.

Com vocês, “eternamente”, de Tom Junior:

Videoclipe oficial da música “Eternamente” de Tom Junior. http://tomjunior.com.br